NO LIMIAR DA BOMBA
No limiar da bomba
O novo relatório da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) sobre o programa nuclear do Irã só faltou dizer que o país está fabricando a bomba - não disse porque não conseguiu recolher evidências nesse sentido e não quis se desmoralizar. Os próprios Estados Unidos haviam anunciado em 2007 que o concentrado esforço iraniano por armas nucleares havia sido sustado quatro anos antes. Mas, com palavras cuidadosamente calibradas, o relatório sustenta que, em tempos recentes, o Irã "conduziu atividades relevantes para o desenvolvimento de um artefato nuclear", algumas das quais "podem ainda estar em curso". O governo de Israel diz ter certeza, a ponto de o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu falar novamente em atacar as instalações atômicas do inimigo.
O documento de 22 páginas, em duas partes, é o mais circunstanciado de todos quantos a Agência produziu em uma década de difíceis investigações sobre o programa que Teerã alega se destinar a fins pacíficos, mas que nunca abriu plenamente aos inspetores do órgão - a quem, em diversas ocasiões, enganou. As trapaças, mentiras e transgressões do Tratado de Não-Proliferação, de que o Irã é signatário, foram punidas pelo Conselho de Segurança da ONU com quatro pacotes de sanções - sem efeito palpável. Valendo-se de conhecimentos próprios, além da ajuda de cientistas estrangeiros, pelo menos um deles russo, os iranianos realizaram avanços expressivos no setor, constatou a AIEA. Alguns podem ter aplicações civis. Mas outros são "específicos para armas nucleares".
O organismo cita quatro frentes "seriamente preocupantes" de atuação: a busca, às vezes bem-sucedida, de equipamentos e materiais nucleares pela área militar; a aquisição de informações sobre desenvolvimento de armas atômicas junto a fornecedores clandestinos; a procura de meios sigilosos para a produção de material nuclear; e a tentativa de criar um tipo próprio de arma atômica e testar seus componentes. Isso permitiu ao Irã produzir em computador modelos de explosões nucleares, efetuar sofisticados experimentos com detonadores de bombas A e trabalhar no projeto de uma ogiva nuclear para seu míssil Shahab 3, com 1,3 mil km de alcance. Pois, obviamente, não basta estocar uma bomba: é preciso transportá-la e fazê-la explodir no lugar desejado.
Como era de prever, o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, denunciou ontem o relatório como uma farsa, reiterou que não recuará "um pingo" do seu programa nuclear - mas disse também algo a ser considerado: "O Irã não construirá duas bombas contra as 20 mil que vocês (o Ocidente) têm". Não é que não as construirá necessariamente. O complexo clerical-militar que domina o país age para estar com tudo preparado se e quando decidir que chegou a hora de o Irã entrar para o clube atômico, como fizeram o Paquistão e a Índia - e, antes deles, sem confessar, Israel. O ponto a levar em conta é que, não obstante todo o seu ódio fanático aos Estados Unidos e ao "ente sionista", Teerã sabe que, se for o primeiro a usar a bomba, a retaliação virá na mesma moeda.
Se os observadores mais circunspectos estiverem certos, o regime quer chegar à bomba, ou ficar no seu limiar, para se afirmar e, sobretudo, dissuadir os inimigos de desestabilizá-lo. O mais agressivo o encara do outro lado do Golfo Pérsico. Em abril de 2008, o rei Abdullah, da Arábia Saudita, disse que os EUA deviam "cortar a cabeça da serpente" iraniana. O fato é que a bomba de Teerã é inadmissível para Washington - por Israel, em primeiro lugar, mas também para prevenir uma corrida nuclear na região, a que se lançariam sauditas e egípcios. O imenso problema do presidente Barack Obama, de quem, afinal, tudo depende, é como desativar de vez o programa iraniano.
Novas sanções multilaterais? A Rússia e a China vetarão. Negociações, então? Mas de que adianta pedir a alguém que deixe de fazer algo, em troca de um benefício, se ele nega que esteja fazendo. Sabotagem? Atrapalha, mas não resolve. O bombardeio que Netanyahu deseja? Será, parafraseando o célebre dito, pior do que um crime e do que um erro: uma catástrofe de efeitos inimagináveis.